domingo, 16 de março de 2014

William Waack

Começo com uma citação: “essa revolução, conforme o Reginaldo Nasser afirmou ao final do primeiro bloco do programa, foi já dominada pelos oligarcas, que é uma palavra bonitinha para dizer: pela 'máfia' na Ucrânia?

Esta citação foi extraída da fala do jornalista Willian Waack, na abertura do segundo bloco do programa Globonews Painel, no último dia 08 de março. A parte em itálico da citação foi dita em tom irônico, ironia que o próprio sentido da palavra “bonitinha” também conota. Porque o uso da palavra “oligarcas” em tal contexto irritou o jornalista? Waack, segundo o verbete da Wikipédia que leva seu nome, também é formado em sociologia e ciência política. Supostamente, ele teve um contato racional com termo oligarquia, referido, no mínimo, aos usos básicos do termo, como na obra de Aristóteles, na historiografia da República Velha etc. Ele sabe, portanto, que oligarquia é um termo de uso pejorativo consagrado e que quando se chama alguém de oligarca é com a intenção de apontar que este exerce um poder humanamente negativo. Como pode a palavra oligarca ser bonitinha? Oligarca virou uma palavra bonitinha porque Waack chamou por um significante mais forte: o significante máfia, que é muito mais feio, porque também é assustador.

O que Waack fez foi uma operação ideológica que menosprezou no imaginário do espectador relevância das oligarquias na política atual. Um programa de TV faz laço com o espectador médio. Associar para este o termo oligarca como sendo da ordem do eufemismo, como fez Waack, é censurar no imaginário a emergência da discussão em torno do fenômeno oligárquico. Fenômeno crucial da política e da economia mundiais atuais. Do qual o caso da política e da economia ucranianas são sintomas típicos. Reprimir o debate em torno da política oligárquica ucraniana é reprimir uma parte fundamental do debate político atual como um todo. Máfia é um significante do campo da criminologia. Quando um fenômeno criminológico adquire caráter político, a sua atuação no campo político tem que ser desvelada com significantes da análise política, não da criminologia. Como aluno de ciência política que foi, Waack sabe disso.

A irritação de Waack com a palavra oligarca, irritação que ele converteu em ironia censuradora do termo, foi uma operação da ordem do inconsciente político. Tentando forçar a discussão girar em torno do significante máfia, Waack propôs evitar a discussão da forma política que as máfias adquirem quando passam para o campo da política: a forma oligárquica. Quando se transformam em oligarquia o que as máfias têm em comum com as demais formas de oligarquia? O uso privado da esfera pública dentro da legalidade. A história das máfias mostra que elas nem sempre aspiram a ascensão à posição de oligarquia: caso do PCC, mas há outros em que sim, como parece ser o dos cartéis da droga na Colômbia e no México, já que uma oligarquia pode fazer o que a máfia não pode: usar a riqueza e o poder públicos como instrumento para si. Será que só as atividades mafiosas das oligarquias é que são repugnantes para Waack? Será que para ele uma oligarquia que opera apenas na legalidade política e econômica, se é que existe alguma, não se constitui num problema político “feio”? Feio no sentido de algo que deva nos causar repúdio.

Waack trabalha para a TV Globo, uma empresa de profundas raízes oligárquicas, cujas origens remontam à associação ilegal com o capital estrangeiro do grupo estadunidense Time/Life e à concessão de um bem público para exploração privada, esta conseguida de um regime político surgido e sustentado na violação da lei, a ditadura civil militar de 1964. A atuação política e econômica da TV Globo sempre se caracterizou pela vertente oligárquica. Não é uma empresa nascida nem desenvolvida num ambiente de concorrência de mercado, por isso sequer pode ser considerada uma empresa capitalista moderna. Alavancada pelo sistema Embratel durante a ditadura, tornou-se já nos anos 1980, um dos maiores monopólios televisivos do planeta. Sua atuação política sempre se pautou pela associação ao governo de plantão no Palácio do Planalto e em 1989 não teve nenhum pudor de usar sua influência para favorecer Collor de Mello no segundo turno da eleição presidencial. Collor era então o candidato da oligarquia brasileira (http://almirpereirablog.blogspot.com.br/2014/03/oligarquia-brasileira.html).

No último ranking dos homens mais ricos do Brasil os três herdeiros das Organizações Globo, TV Globo inclusive, estão entre os sete homens mais ricos do Brasil. Segundo a Revista Forbes, que faz esse ranking, as fortunas dos três irmãos Marinho, herdeiros da TV Globo e demais negócios da família, soma um valor de quase R$ 52 bilhões. Individualmente, segundo tal revista, só haveria no Brasil quatro pessoas mais ricas que cada um dos irmãos Marinho, já que caberia a cada um uma fortuna de mais de R$ 17 bilhões. Oligarquia para Aristóteles era o governo de poucos e voltado para o interesse desses poucos, ou seja, o governo do ricos para deixar os ricos mais ricos ainda.

2 comentários:

  1. Gostei da sua observação e realce sobre mensagens subliminares, que contextualizam as nossas principais mídia e seus apresentadores em discussões que são muito importantes.Gestaltismo: figura/fundo ainda existe? Dois assuntos visualizados ao mesmo tempo mais focado na da sua melhor perspectiva. É muita maldade para um país de analfabetos. Ainda estou devendo sobre as matéria anteriores mas vou colocar em dia. Saudações.

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    1. Nilton, obrigado pela leitura e pelo comentário. A técnica que eu uso é a do inconsciente político, que tem relação com o inconsciente freudiano. No caso do Waack foi a tentativa de subtrair um assunto menosprezando-o. Não foi uma questão de opção ou de "olhar" como na gestalt, foi uma imposição irônica. Um tipo de coação sedutora.

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