quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Leitura da política brasileira (1985-1992), o livro

resenha de Almir Pereira

O marco formal de encerramento da ditadura civil-militar, que governou o Brasil a partir de 1964, foi a promulgação da atual Constituição, em 05 de outubro de 1988. No entanto, só foi com a eleição direta para a Presidência da República, em 1989, que se encerrou o processo formal de transição. O formal, no entanto, pouco serve para demonstrar o que se passou na superfície da luta política cotidiana do final da década de 1970, quando passou a valer a lei da anistia (1979), até a eleição de Collor, dez anos depois.

As marcações históricas ou jurídicas, por serem formais, operam pela lógica do substantivo, o que recalca as disputas diárias entre os atores políticos, produtoras estas das reviravoltas políticas que acabam por produzir mudanças formais ou novas relações de força que nem sempre se formalizam. Os artigos jornalísticos sobre política nos dão um olhar impressionista desse cotidiano, mas como o jornalismo tem que ficar circunscrito ao senso comum de seus leitores, isto o aprisiona a uma analítica muito vaga, condenando-o para sempre ao impressionismo. Os artigos especializados na grande mídia acabam sofrendo do mesmo mal, pois não podem ultrapassar um certo “senso comum douto”(Bourdieu), característico do leitor mediano universitário.

A leitura dos significantes que pilotam o cotidiano da política demanda uma técnica própria? 

O livro Leitura da Política Brasileira (1985-1992) foi escrito para demonstrar o quanto uma técnica assim é necessária, possível e produtiva. Fruto de um minucioso trabalho de pesquisa, pelo qual o autor monta um quebra-cabeças de milhares de pequenas peças da conjuntura política, que vai do governo Figueiredo até a posse de Itamar Franco, o livro impressiona, primeiramente, pela reunião micrométrica de fatos e discursos políticos cotidianos, que respaldam as hipóteses do autor, como se tivessem que ser provas irrefutáveis a serem expostas diante de um rigorosíssimo tribunal.

Apesar do rigor intelectual, não se trata de um livro para especialistas. Trata-se de um texto destinado ao leitor ambicioso, que quer ultrapassar as conhecidas análises, jornalísticas ou acadêmicas, que só fazem reiterar o que já sabemos ou, às vezes, acrescentar algum novo detalhe que pouco ou nada alteram a nossa capacidade de entendimento dos fatos. É, portanto, um texto que tem a pretensão de relocalizar os marcadores que nos orientam na interpretação da recente história política do Brasil e, com isso, jogar alguma luz sobre o obscuro presente que atravessamos.

Passada a euforia que se instalou em nós com as jornadas de junho de 2013, poucas foram as análises políticas que conseguiram medir a extensão e a profundidade, em detalhes, da crise instalada na política brasileira da atualidade. Leitura da Política Brasileira, apesar de não ser sobre o ano de 2013, mostra-nos como a crise atual é a de um modelo político estabelecido desde o impeachment de Fernando Collor: “modelo político que fez dos partidos os sujeitos do poder político ao lado da presidência da República durante os governos Itamar Franco, FHC e Lula.” Tendo superado as crises política e econômica dos anos 1980, a República Democrática vê ressurgir a crise política no horizonte, fruto do movimento das placas tectônicas que compõem o atual bloco no poder.

O autor do livro, José Paulo Bandeira, lança dois desafios em relação à interpretação da política brasileira contemporânea: como encaixar o autocratismo do governo Sarney e a tirania de Collor no processo de “abertura democrática”? Quem se der ao trabalho de ler o livro poderá verificar, passo a passo, como o processo de democratização formal caminhou simultaneamente com governos essencialmente antidemocráticos.


Como na tradição da ciência política de esquerda, Leitura da Política Brasileira não descuida em nenhum momento de situar os dilemas políticos das suas relações com os dilemas econômicos. A política não deixa de ser considerada economia-política em nenhum ponto do livro, já que a mais-valia e o “mais-poder” são faces da mesma moeda. O economicismo, no entanto, é ignorado o tempo todo, pois não há nada mais nefasto para a boa reflexão política que este tipo de abolição do sujeito.


Leitura da Política Brasileira (1985-1992), José Paulo Bandeira da Silveira, editora Publique-se! Livro digital. Click aqui.