por
Almir Pereira
Em
que cenário emergiram as jornadas de junho de 2013, pelas quais as
multidões tomaram as ruas do Brasil? O cenário em que a oligarquia
política expande seus domínios. No Brasil e também em outros
países, pois trata-se de uma linha de forças mundial. Esse cenário é o
de uma crise secular da política moderna. As instituições
políticas modernas estão corroídas de uma forma inédita. A linha
de forças “oligarquia política” ganha terreno tanto em países
politicamente modernos quanto em simulacros de modernidade política,
como o Brasil, ou em países ainda pré-modernos. As multidões são
a maior e mais explícita oposição a essa linha de forças, sejam
elas as multidões modernizadoras, pós-modernas ou simplesmente as indignadas.
O
Brasil mostra-se um fértil objeto histórico e atual para o estudo
do domínio do discurso oligárquico e da mobilização de multidões
contra este discurso. É o que demonstra o livro Oligarquia
e Política,
do cientista político José Paulo Bandeira, recém publicado em
versão digital (“e-book”) pelo selo “Publique-se”, da
Livraria Saraiva
(link:http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/6919323).
Em uma abordagem que usa o inovador
método leitura da
política,
que reúne saberes tão variados quanto a psicanálise, a biografia, a historiografia, a sociologia, a teoria estética e a economia-política, entre
outros, produzindo uma nova forma de ciência política.
Não
se trata de um livro para leigos, no entanto, também não é um
livro para especialistas. Talvez seja possível idealizá-lo como um
livro feito para o leitor sedento, que já tem alguma capacidade
reflexiva e que não desiste diante da primeira dificuldade textual.
Aliás, há vários trechos no livro que envolvem o leitor pela força de
uma argumentação simples mas poderosa, como quando o programa Bolsa
Família é apresentado como repetição lacaniana da benevolência do senhor de escravos do Brasil
colonial, tudo documentado sociologicamente.
Com
a derrocada do PT diante do lulismo, que inclui a conversão deste
partido ao que um outro autor chamou de “peemedebismo”, a
oligarquia brasileira retomou um papel de iniciativa e domínio que
não acontecia desde a República Velha. Paralelamente, com o lulismo
retornou algo que não se via no Brasil desde Getúlio Vargas, o
personalismo. Tanto a retomada da iniciativa política pela
oligarquia quanto o retorno do personalismo são questões da
política brasileira atual que demandam uma interpretação e/ou uma
reinterpretação da nossa história política e é aí que presente
e passado se encontram em Oligarquia
e Política.
Às
figuras personalistas de Lula e Vargas o autor acrescenta D. Pedro
II, como um terceiro elemento de uma cadeia que ele, o autor, faz
girar em torno do significante magister
latino, aquele que é “possuidor de um saber que conduz as
massas”(p.20). Estas três encarnações do magister
latino exercem seu saber sobre as massas para fazer funcionar o
discurso do senhor colonial brasileiro, agente basal do discurso
oligárquico: uso privado do excedente econômico que se estende ao uso privado dos recursos públicos.
Oligarquia
e Política
usa as biografias dos três chefes do Estado brasileiro acima. Isso é facilitado pelo
fato do Brasil ter excelentes biógrafos, que são inovadores dos
métodos usados tradicionalmente por aqui. Pena que tenha surgido em
nosso país um movimento de censura ao trabalho fértil que estes profissionais têm desenvolvido.
A elucidação
das relações de poder são inseparáveis do “inconsciente
político” daqueles que exercem a dominação. O líder é um ponto
de condensação da cadeia significante política, elucidar seu
“inconsciente político” é elucidar a complexidade desse ponto
de condensação, no qual se misturam a ação política e a história
pessoal. É impossível elucidar Lula ou Getúlio sem elucidá-los
como “efeitos de um dizer”.
A
segunda parte do livro é dedicada à interpretação das jornadas de
junho de 2013 articulando-as ao cenário oligárquico em que se
desenrolaram. Para tanto o livro faz a primeira crítica estético
política aos black blocs, a partir de um ponto de vista
revolucionário e da estética revolucionária, ou seja, recusando a
posição status
quo
e a posição reacionária. Com isso a postura liberal, pacífica e
anti autoritária de Caetano Veloso, que representou até agora as
melhores reações intelectuais ao fenômeno black bloc, tem a sua
“falta” simbolizada.
O
livro é a continuidade lógica da esquerda revolucionária brasileira que
percebeu nos anos 70 o quanto a causa da democracia é absolutamente
inegociável e também como é estrategicamente subversiva na
sociedade brasileira. Aqui a democracia não é só o melhor regime político,
ela é a melhor forma de combater um mal ontológico da formação social brasileira: “o Urstaat”
,
Estado que usa a violência sem lei contra a sua população. Típico
do Brasil colonial e ainda em vigor através da LSN (Lei de Segurança
Nacional), o Urstaat
é o grau zero de regulação no âmbito da dominação e a sua
expansão tem sido o objetivo cotidiano da oligarquia brasileira
desde as jornadas de junho (proibição de máscaras em passeatas,
lei de terrorismo, lei da Copa, CIAV-RJ etc).
Aqueles
que levam a sério as críticas de Nietzsche e não se tornaram, por
isso, niilistas políticos, vão se deliciar com a interpretação
nitzschiana das multidões de junho. Também com a discussão do
papel da poesia na revolução e o papel revolucionário da poesia,
que é feito com um texto que é, ele mesmo, um texto-demonstração
desta poética. Mais que uma demonstração racional, o texto aí
vira uma demonstração em ato.
Com
tudo isso, agora segundo a minha interpretação, as jornadas de
junho são as fugas quilombolas do modelo político Bolsa Família,
assim como os escravos fugiam da benevolência senhorial a população
começou a fugir da benevolência lulista. Tal como o senhor colonial
benevolente em relação aos quilombolas, os lulistas acham ingrata a
população fugitiva (ou seria melhor fugidia(?)) das jornadas de
junho.
Oligarquia
e Política
é um trabalho em busca da lucidez de descobrir a gravidade do que
nos assola, na esperança de que “na tragédia política, a
liberdade é movida pela lógica pública do inconsciente político
das massas. No ocaso do mundo moderno weberiano, a tragédia política
é a estrutura simbólica capaz de mover a multidão – e a maioria
da população – em direção a um destino que é o avesso de um
possível “império” mundial despótico”(p.267).