terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Oligarquia e política, resenha do livro


por Almir Pereira

Em que cenário emergiram as jornadas de junho de 2013, pelas quais as multidões tomaram as ruas do Brasil? O cenário em que a oligarquia política expande seus domínios. No Brasil e também em outros países, pois trata-se de uma linha de forças mundial. Esse cenário é o de uma crise secular da política moderna. As instituições políticas modernas estão corroídas de uma forma inédita. A linha de forças “oligarquia política” ganha terreno tanto em países politicamente modernos quanto em simulacros de modernidade política, como o Brasil, ou em países ainda pré-modernos. As multidões são a maior e mais explícita oposição a essa linha de forças, sejam elas as multidões modernizadoras, pós-modernas ou simplesmente as indignadas.

O Brasil mostra-se um fértil objeto histórico e atual para o estudo do domínio do discurso oligárquico e da mobilização de multidões contra este discurso. É o que demonstra o livro Oligarquia e Política, do cientista político José Paulo Bandeira, recém publicado em versão digital (“e-book”) pelo selo “Publique-se”, da Livraria Saraiva (link:http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/6919323). Em uma abordagem que usa o inovador método leitura da política, que reúne saberes tão variados quanto a psicanálise, a biografia, a historiografia, a sociologia, a teoria estética e a economia-política, entre outros, produzindo uma nova forma de ciência política.

Não se trata de um livro para leigos, no entanto, também não é um livro para especialistas. Talvez seja possível idealizá-lo como um livro feito para o leitor sedento, que já tem alguma capacidade reflexiva e que não desiste diante da primeira dificuldade textual. Aliás, há vários trechos no livro que envolvem o leitor pela força de uma argumentação simples mas poderosa, como quando o programa Bolsa Família é apresentado como repetição lacaniana da benevolência do senhor de escravos do Brasil colonial, tudo documentado sociologicamente.

Com a derrocada do PT diante do lulismo, que inclui a conversão deste partido ao que um outro autor chamou de “peemedebismo”, a oligarquia brasileira retomou um papel de iniciativa e domínio que não acontecia desde a República Velha. Paralelamente, com o lulismo retornou algo que não se via no Brasil desde Getúlio Vargas, o personalismo. Tanto a retomada da iniciativa política pela oligarquia quanto o retorno do personalismo são questões da política brasileira atual que demandam uma interpretação e/ou uma reinterpretação da nossa história política e é aí que presente e passado se encontram em Oligarquia e Política.

Às figuras personalistas de Lula e Vargas o autor acrescenta D. Pedro II, como um terceiro elemento de uma cadeia que ele, o autor, faz girar em torno do significante magister latino, aquele que é “possuidor de um saber que conduz as massas”(p.20). Estas três encarnações do magister latino exercem seu saber sobre as massas para fazer funcionar o discurso do senhor colonial brasileiro, agente basal do discurso oligárquico: uso privado do excedente econômico que se estende ao uso privado dos recursos públicos.

Oligarquia e Política usa as biografias dos três chefes do Estado brasileiro acima. Isso é facilitado pelo fato do Brasil ter excelentes biógrafos, que são inovadores dos métodos usados tradicionalmente por aqui. Pena que tenha surgido em nosso país um movimento de censura ao trabalho fértil que estes profissionais têm desenvolvido.

A elucidação das relações de poder são inseparáveis do “inconsciente político” daqueles que exercem a dominação. O líder é um ponto de condensação da cadeia significante política, elucidar seu “inconsciente político” é elucidar a complexidade desse ponto de condensação, no qual se misturam a ação política e a história pessoal. É impossível elucidar Lula ou Getúlio sem elucidá-los como “efeitos de um dizer”.

A segunda parte do livro é dedicada à interpretação das jornadas de junho de 2013 articulando-as ao cenário oligárquico em que se desenrolaram. Para tanto o livro faz a primeira crítica estético política aos black blocs, a partir de um ponto de vista revolucionário e da estética revolucionária, ou seja, recusando a posição status quo e a posição reacionária. Com isso a postura liberal, pacífica e anti autoritária de Caetano Veloso, que representou até agora as melhores reações intelectuais ao fenômeno black bloc, tem a sua “falta” simbolizada.

O livro é a continuidade lógica da esquerda revolucionária brasileira que percebeu nos anos 70 o quanto a causa da democracia é absolutamente inegociável e também como é estrategicamente subversiva na sociedade brasileira. Aqui a democracia não é só o melhor regime político, ela é a melhor forma de combater um mal ontológico da formação social brasileira: “o Urstaat” , Estado que usa a violência sem lei contra a sua população. Típico do Brasil colonial e ainda em vigor através da LSN (Lei de Segurança Nacional), o Urstaat é o grau zero de regulação no âmbito da dominação e a sua expansão tem sido o objetivo cotidiano da oligarquia brasileira desde as jornadas de junho (proibição de máscaras em passeatas, lei de terrorismo, lei da Copa, CIAV-RJ etc).

Aqueles que levam a sério as críticas de Nietzsche e não se tornaram, por isso, niilistas políticos, vão se deliciar com a interpretação nitzschiana das multidões de junho. Também com a discussão do papel da poesia na revolução e o papel revolucionário da poesia, que é feito com um texto que é, ele mesmo, um texto-demonstração desta poética. Mais que uma demonstração racional, o texto aí vira uma demonstração em ato.

Com tudo isso, agora segundo a minha interpretação, as jornadas de junho são as fugas quilombolas do modelo político Bolsa Família, assim como os escravos fugiam da benevolência senhorial a população começou a fugir da benevolência lulista. Tal como o senhor colonial benevolente em relação aos quilombolas, os lulistas acham ingrata a população fugitiva (ou seria melhor fugidia(?)) das jornadas de junho.


Oligarquia e Política é um trabalho em busca da lucidez de descobrir a gravidade do que nos assola, na esperança de que “na tragédia política, a liberdade é movida pela lógica pública do inconsciente político das massas. No ocaso do mundo moderno weberiano, a tragédia política é a estrutura simbólica capaz de mover a multidão – e a maioria da população – em direção a um destino que é o avesso de um possível “império” mundial despótico”(p.267).