terça-feira, 5 de abril de 2016

Jornalismo Político

por Almir Pereira

A política é o principal tema do jornalismo eletrônico brasileiro atual e não só dele, mas essa forma de jornalismo é a principal forma de trans-subjetivação das massas brasileiras, daí a sua relevância. No jornalismo eletrônico, que é basicamente o jornalismo produzido pelas empresas de televisão, abertas ou por assinatura, a política é um artefato submetido à modelagem do noticiário, do comentário jornalístico e da análise especializada de profissionais universitários (cientistas políticos, professores universitários, juristas etc). Tanto na interpretação noticiosa quanto na interpretação do comentário jornalístico a política é um artefato que visa principalmente ao estabelecimento de uma trans-subjetivação grau zero do significante. Na análise especializada dos profissionais universitários a política é um artefato que visa principalmente a trans-subjetivação das massas intelectuais sujeito Ø espaço público procedural.

O espaço público procedural é aquele “que garante formalmente igual participação em processos de formação discursiva da opinião e da vontade e estabelece, com isso, um procedimento legítimo de normatização”(Lubenow, 2010). A análise especializada da política pelos profissionais universitários nos programas do jornalismo eletrônico adota uma perspectiva comunicacional privatista ao submeter-se à hegemonia da ciência política estadunidense, pois é principalmente com base nesta que os profissionais universitários, que comentam ou debatem a política nos programas do jornalismo eletrônico, operam a trans-subjetivação das massas intelectuais sujeito Ø espaço público procedural.


A ciência política estadunidense estabelece o predomínio do raciocínio substantivista, o que significa a supremacia da forma política objetiva na abordagem dos fenômenos políticos. A cultura universitária norte-americana dominante varreu para debaixo do tapete toda possibilidade de subjetivação das massas intelectuais pela cadeia de significantes que permite interpretar a política como cultura política (uma unidade entre forma política objetiva e trans-subjetividade). O debate sobre a democracia, por exemplo, na ciência política universitária dos USA regrediu assim a uma posição pré-platônica e pré-aristotélica, pois tanto a crítica platônica da simulação quanto a crítica aristotélica da degeneração democrática ficam bloqueadas pelo mito norte-americano da inquestionabilidade do caráter democrático de sua sociedade e de seu Estado. O que também acontece porque tal mito é um pilar retórico de sustentação do poder dos USA fora de suas fronteiras.

O Brasil atravessa uma das piores crises políticas de sua história. Esta constatação está em praticamente todos os comentários jornalísticos eletrônicos e análises de profissionais universitários especializados que o jornalismo eletrônico irradia através de seus programas diuturnos. O que é a crise atual? Quais os elementos que compõem a crise e como tais elementos interagem entre si? Qual é a dialética existente entre a trans-subjetivação das massas e as formas políticas objetivas? As formas do direito e sua aplicação são fenômenos de caráter meramente objetivo ou são produtos da trans-subjetivação jurídico-política das massas?


A proposta de processo de impeachment da presidente da República, em andamento na Câmara dos Deputados é um ponto de condensação da atual crise política brasileira. A interpretação dos diversos fatores envolvidos no andamento daquela proposta trouxe à superfície da cultura política intelectual a potência de verdade da física lacaniana da política. Só a física tem apontado para uma série de fatores determinantes que permanecem ocultos na programação jornalística do universo eletrônico. Não que tais fatores estejam evidentes em outros círculos da cultura política intelectual mundial. Se estivessem, fatalmente terminariam por afetar a cultura do jornalismo eletrônico brasileiro, que é apenas uma condensação nacional do capitalismo corporativo eletrônico mundial. Passemos a alguns exemplos da potência de verdade que o campo da física historial tem demonstrado.


Foi nas páginas digitais da física da política que veio à tona o 17-D, golpe de Estado do STF contra a soberania popular em 17 de dezembro de 2015. A passividade com que tal golpe foi recebido pelas massas intelectuais mostrou sua condição de sujeito Ø democrático quando se trata de defender as bases jurídicas da democracia contra a violação desta por quem quer que seja. A ascensão do STF à condição de poder imperial, em flagrantedelito contra a Constituição de 1988, inclusive passou a ser descrita cinicamente por comentaristas políticos com especialização jurídica como sendo o estabelecimento de um poder moderador. Ora, Poder Moderador foi um eufemismo pombalino criado por D. Pedro I para garantir para si um poder usurpador da soberania popular, depois de fechada a Assembleia Constituinte de 1823 pelas tropas do monarca.


Outro exemplo da potência supracitada é a explicitação do caráter golpista que o acoplamento da lei 1079/ 50 ao artigo85 da Constituição de 1988 instaurou sobre a política brasileira. Esse acoplamento foi um ato do STF no processo de impeachment de Collor, que não foi desfeito até hoje em razão do descumprimento pela classe política (especialmente o PMDB) do parágrafo único do artigo 85 da CF, que determina a necessidade de lei complementar para precisar o que são crimes de responsabilidade do presidente da República. A permanência desta legislação oligárquico ditatorial em sobreposição à Constituição Liberal democrática de 1988 é um segredo que bolivarianos de direita e de esquerda fazem questão de manter guardado a 7 chaves, e o jornalismo político eletrônico é cúmplice. A permanência de tal lei mantém aberta a porta para a derrubada do presidente da República por qualquer motivo insignificante (compra de um Fiat Elba com sobras de campanha, pedaladas fiscais etc) toda vez que a classe política cobiça o cargo de um presidente impopular.


Um estudo que visa o interesse público, como o que faz a física da política, não pode se expressar com a linguagem prosaica da maioria dos comentaristas universitários do jornalismo eletrônico da política. Tal qual o bisturi de um cirurgião, a linguagem da física busca construir a verdade com uma separação precisa entre o que é a lógica privatista e a construção efetiva da res publica. Poderíamos versar sobre outros exemplos em que isso se concretizou como a definição do caráter burguês do golpe de Estado Temer, a demonstração de que a política brasileira é amalgamada pela lumpencultura, a defesa das eleições gerais como única saída democrática para a crise política brasileira atual, a essência contra-democrática da lei anti-terror etc.







Lubenow, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em Habermas. Modelo teórico e discursos críticos. Kriterion, vol.51, no.121, Belo Horizonte, Junho 2010.