por Almir Pereira
A política é o principal tema do jornalismo eletrônico
brasileiro atual e não só dele, mas essa forma de jornalismo é a
principal forma de trans-subjetivação das massas brasileiras, daí
a sua relevância. No jornalismo eletrônico, que é basicamente o
jornalismo produzido pelas empresas de televisão, abertas ou por
assinatura, a política é um artefato submetido à modelagem do
noticiário, do comentário jornalístico e da análise especializada
de profissionais universitários (cientistas políticos, professores
universitários, juristas etc). Tanto na interpretação noticiosa
quanto na interpretação do comentário jornalístico a política é
um artefato que visa principalmente ao estabelecimento de uma
trans-subjetivação grau zero do significante. Na análise
especializada dos profissionais universitários a política é um
artefato que visa principalmente a trans-subjetivação das massas
intelectuais sujeito Ø espaço público procedural.
O espaço público procedural é aquele “que
garante formalmente igual participação em processos de formação
discursiva da opinião e da vontade e estabelece, com isso, um
procedimento legítimo de normatização”(Lubenow, 2010). A análise
especializada da política pelos profissionais universitários nos
programas do jornalismo eletrônico adota uma perspectiva
comunicacional privatista ao submeter-se à hegemonia da ciência
política estadunidense, pois é principalmente com base nesta que os
profissionais universitários, que comentam ou debatem a política
nos programas do jornalismo eletrônico, operam a trans-subjetivação
das massas intelectuais sujeito Ø espaço público
procedural.
A ciência política estadunidense estabelece o predomínio do raciocínio substantivista, o que significa a supremacia da forma política objetiva na abordagem dos fenômenos políticos. A
cultura universitária norte-americana dominante varreu para debaixo
do tapete toda possibilidade de subjetivação das massas
intelectuais pela cadeia de significantes que permite interpretar a
política como cultura política (uma unidade entre forma política
objetiva e trans-subjetividade). O debate sobre a democracia, por
exemplo, na ciência política universitária dos USA regrediu assim
a uma posição pré-platônica e pré-aristotélica, pois tanto a
crítica platônica da simulação quanto a crítica aristotélica da
degeneração democrática ficam bloqueadas pelo mito norte-americano
da inquestionabilidade do caráter democrático de sua sociedade e de
seu Estado. O que também acontece porque tal mito é um pilar
retórico de sustentação do poder dos USA fora de suas fronteiras.
O Brasil atravessa uma das piores crises políticas de sua
história. Esta constatação está em praticamente todos os
comentários jornalísticos eletrônicos e análises de profissionais
universitários especializados que o jornalismo eletrônico irradia
através de seus programas diuturnos. O que é a crise atual? Quais
os elementos que compõem a crise e como tais elementos interagem
entre si? Qual é a dialética existente entre a trans-subjetivação
das massas e as formas políticas objetivas? As formas do direito e
sua aplicação são fenômenos de caráter meramente objetivo ou são
produtos da trans-subjetivação jurídico-política das massas?
A proposta de processo de impeachment da presidente da
República, em andamento na Câmara dos Deputados é um ponto de
condensação da atual crise política brasileira. A interpretação
dos diversos fatores envolvidos no andamento daquela proposta trouxe
à superfície da cultura política intelectual a potência de
verdade da física lacaniana da política. Só a física tem apontado
para uma série de fatores determinantes que permanecem ocultos na
programação jornalística do universo eletrônico. Não que tais
fatores estejam evidentes em outros círculos da cultura política
intelectual mundial. Se estivessem, fatalmente terminariam por afetar
a cultura do jornalismo eletrônico brasileiro, que é apenas uma
condensação nacional do capitalismo corporativo eletrônico
mundial. Passemos a alguns exemplos da potência de verdade que o
campo da física historial tem demonstrado.
Foi nas páginas digitais da física da política que veio à
tona o 17-D,
golpe de Estado do STF contra a soberania popular em 17 de dezembro
de 2015. A passividade com que tal golpe foi recebido pelas massas
intelectuais mostrou sua condição de sujeito Ø democrático
quando se trata de defender as bases jurídicas da democracia contra
a violação desta por quem quer que seja. A ascensão do
STF à condição de poder imperial, em flagrantedelito
contra a Constituição de 1988, inclusive passou a ser descrita
cinicamente por comentaristas políticos com especialização
jurídica como sendo o estabelecimento de um poder moderador. Ora,
Poder Moderador foi um eufemismo pombalino criado por D. Pedro I para
garantir para si um poder usurpador da soberania popular, depois
de fechada a Assembleia Constituinte de 1823 pelas tropas do
monarca.
Outro exemplo da potência supracitada é a explicitação
do caráter golpista que o acoplamento da lei 1079/ 50 ao artigo85 da
Constituição de 1988 instaurou sobre a política brasileira. Esse
acoplamento foi um ato do STF no processo de impeachment de Collor,
que não foi desfeito até hoje em razão do descumprimento pela
classe política (especialmente o PMDB) do parágrafo único do
artigo 85 da CF, que determina a necessidade de lei complementar para
precisar o que são crimes de responsabilidade do presidente da
República. A permanência desta legislação oligárquico
ditatorial em sobreposição à Constituição Liberal democrática
de 1988 é um segredo que bolivarianos de direita e de
esquerda fazem questão de manter guardado a 7 chaves, e o
jornalismo político eletrônico é cúmplice. A
permanência de tal lei mantém aberta a porta para a derrubada
do presidente da República por qualquer motivo insignificante
(compra de um Fiat Elba com sobras de campanha, pedaladas
fiscais etc) toda vez que a classe política cobiça o cargo de
um presidente impopular.
Um estudo que visa o interesse público, como o que faz a
física da política, não pode se expressar com a linguagem prosaica
da maioria dos comentaristas universitários do jornalismo eletrônico
da política. Tal qual o bisturi de um cirurgião, a linguagem da
física busca construir a verdade com uma separação precisa entre o
que é a lógica privatista e a construção efetiva da res
publica. Poderíamos versar sobre outros exemplos em que isso se
concretizou como a definição do caráter burguês do golpe de
Estado Temer, a demonstração de que a política brasileira é
amalgamada pela lumpencultura, a defesa das eleições gerais como
única saída democrática para a crise política brasileira atual, a
essência contra-democrática da lei anti-terror etc.
Lubenow, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa
em Habermas. Modelo teórico e discursos críticos. Kriterion,
vol.51, no.121, Belo Horizonte, Junho 2010.
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