segunda-feira, 30 de maio de 2016

Governo Temer

TEMER e o GRUPO GLOBO
O editorial do jornal O Globo de hoje parece um manifesto em favor do judiciário como salvação da política brasileira (que seria isso?), além de peça de sedução do leitor para que este esqueça que João Roberto Marinho, presidente do conselho editorial do Grupo Globo, foi citado nas gravações feitas por Sérgio Machado, delator na operação Lava-Jato, divulgadas ao longo desta semana. Ironicamente o texto começa dizendo que o conjunto dessas gravações "já reúne preciosos subsídios para cientistas políticos estudiosos de plutocracias e oligarquias nacionais."
Na definição de Aristóteles oligarquia é o governo dos ricos, ou seja, para ele plutocracia e oligarquia são a mesma coisa. Mesmo assim, se mantivéssemos oligarquia e plutocracia como fenômenos distintos, o primeiro eminentemente político e o segundo eminentemente econômico, João Roberto Marinho poderia ser enquadrado tanto numa quanto noutra categoria, pois o Grupo Globo, no qual é comandante e sócio, é uma organização privatista que condensa poder político e econômico ao nível das mais altas esferas nacionais. Estudar a classe política (classe dirigente+classe simbólica) brasileira sem considerar o poder privatista do Grupo Globo é ignorar uma parte fundamental de tal classe. Nas gravações de Sérgio Machado Renan Calheiros declara que Dilma Roussef, ainda presidente da República, teria conversado com João R. Marinho para que este influenciasse o noticiário em favor dela. O que, segundo Renan, J. R. Marinho costuma fazer em casos semelhantes ao de Dilma.
O mais grave desse editorial não é a ironia supracitada e o desrespeito que ela comete com a inteligência do leitor, mas sim a forma como ele contrapõe a suposta isenção do Judiciário, que se comportaria "distante de interesses pessoais, livre para decidir com base em fatos", com a "a falta de pudor com que grupos políticos se movem em defesa própria". Ora, as próprias gravações do delator Machado fornecem elementos suficientes para entendermos que o STF não é impermeável às demandas das altas rodas da oligarquia nacional. Outras escutas de diálogos da classe política, divulgadas este ano, também corroboram isso. O golpe de Estado 17D em que o STF usurpou a soberania da Câmara dos Deputados no processo do impeachment também deixou claro que aquele tribunal não atua só em favor do estado de direito, como diz O Globo.
O editorial de O Globo aponta claramente que o principal ator no proscênio político é o judiciário (STF) e que a classe política perdeu ainda mais credibilidade depois das revelações de Sérgio Machado. Será que um dos objetivo do Grupo Globo com este editorial é expressar suas dúvidas quanto à capacidade de Temer gerir a crise política? Teria também o sentido de apontar como única saída para o Brasil, diante da falência política da oligarquia lumpesinal, o estabelecimento de uma ditadura do judiciário (STF)? Essa ditadura manteria a semblância de democracia ou radicalizaria na aprovação de mais mutilações ditatoriais da forma política objetiva, como faz o projeto de lei que censura a comunicação digital no Brasil (proposto pela CPI dos crimes cibernéticos)?

Editorial O Globo II
Novamente o jornal O Globo publicou um editorial confrontando o governo Temer. Qual é o significado de tal ação do Grupo Globo? Ele está reivindicando mais poder sobre o governo Temer? O Grupo Globo não acredita na viabilidade do governo Temer e esses editoriais representam o distanciamento que o G.G. quer manter da gestão do presidente interino?
O Jornal da Globo News das 16 horas repercute amplamente o caso tratado no editorial supracitado: gravações mostrando críticas do ministro da transparência contra a Operação Lava-jato. Naquele noticioso da Globo News os senadores Cristovam Buarque e Álvaro Dias disseram ser insustentável a continuidade do ministro no cargo, principalmente por se tratar de pasta responsável pelo combate à corrupção.
O editorial citado acima reivindica a imediata demissão do ministro, pois para O Globo "só assim será levado a sério o compromisso público assumido pelo presidente de apoiar a Operação Lava-jato e todo o combate à corrupção. Isso é tão essencial para o governo Temer como a contenção da crise econômica", pontifica o jornal carioca. O Grupo Globo parece querer dizer neste trecho que o compromisso de Temer com a recuperação econômica não é suficiente para garantir seu apoio ao governo. O Grupo Globo quer mesmo que continue a "Operação e todo o combate á corrupção"?
O G.G. sabe que o aprofundamento da Lava-jato e de outras investigações, como a Operação Zelotes, implodirá a classe política brasileira. Isso foi explicitado por Renan Calheiros e José Sarney em gravações divulgadas semana passada. Trata-se de dois oligarcas que estão entre os maiores conhecedores dos bastidores políticos do Brasil. A defesa das operações anti-corrupção pelo Grupo Globo é uma aposta na derrocada da oligarquia brasileira? Quem vai governar o Brasil se acontecer isso? Um governo do judiciário (STF) com o apoio das Forças Armadas seria o sonho oculto do maior grupo de mídia do país? Este tipo de governo seria viável sem a semblância democrática atual? Ou o Grupo Globo estaria apenas em busca de uma posição de força ainda maior no novo governo? Existe uma alternativa democrática à crise da oligarquia brasileira: eleições gerais em 2016. Mas o Grupo Globo nunca se mostrou favorável a isso.

COLAPSO DO ESTADO SANITÁRIO
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401063
A crise em torno do Zika vírus começou no governo Dilma e continua no governo Temer. As doenças disseminadas pelo Aedes Aegypti (Zika, Chicongunya e Dengue), a grande proporção de residências ainda sem esgoto e água tratada, os lixões, a epidemia atual de H1N1, a falta crônica de vários tipos vacinas nos postos de saúde em todo país, a crise hídrica em São Paulo, são fatos gritantes que mostram o colapso sanitário do Estado brasileiro. Isso é responsabilidade de todos que governaram o Brasil nas últimas décadas. A classe política brasileira é anti-sanitária. Ela não segue a racionalidade científica em matéria de saúde pública.
Agora estamos prestes a testemunhar a aceitação da semblância sanitária da classe política brasileira pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pela OMS (Organização Mundial de saúde). Com o assentimento destas duas organizações mundiais pela realização das Olimpíadas em agosto no Rio o colapso sanitário do Estado brasileira será normalizado com o poder simbólico destas duas instituições. Há menos de uma semana atrás o Congresso aprovou mudanças na Constituição que diminuirão o percentual anual do gasto público em saúde. A indiferença da oligarquia brasileira com a saúde da população nacional será estendida agora à população mundial com o apoio do COI e da OMS.
U manifesto divulgado dias atrás por mais de 100 renomados cientistas da área de saúde, de vários países, mostra que a classe científica mundial se preocupa mais com a saúde pública do que com os lucros e votos que serão capitalizados por empresas e políticos com os jogos olímpicos. "Um risco desnecessário é colocado quando 500 mil turistas estrangeiros de todos os países acompanham os Jogos, potencialmente adquirem o vírus e voltam para a casa, podendo torná-lo endêmico", diz o texto. O principal risco seria que atletas contraíssem a doença e voltassem para suas casas em países pobres que ainda não foram afetados pelo surto da doença."

GOVERNO ANTI-NACIONAL
Este texto poderia ter a palavra golpe ou a expressão golpe de Estado no título. Preferi não usá-las para não me confundirem com os defensores do mito bolivariano da imensa maioria da esquerda brasileira. Esquerda sim, mas bolivarianismo não dá. O verdadeiro golpe de Estado aplicado pela Nova Direita aconteceu na madrugada de ontem no Congresso e foi mistificado na tela eletrônica. Salvo algumas honrosas exceções, os jornalistas de papel também foram complacentes com a conspiração. Sem dar a devida tramitação ao projeto de Henrique Meirelles de conter os gastos orçamentários nos próximos anos, o governo Temer fez aprovar no Congresso uma legislação que fere os princípios da Constituição de 1988 em relação à saúde e educação.
"Mais que isso, trata-se de reescrever, na prática, as normas introduzidas na Constituição de 1988 para os desembolsos em saúde, educação, amparo ao trabalhador, previdência e assistência social."
O governo aprovou regras para os gastos em saúde e educação para os próximos anos que reduzirão o percentual da arrecadação destinado a cada uma dessas áreas. Com isso as partes obrigatórias do orçamento que a Constituição determinava para saúde e educação vão diminuir. Uma das características do governo Temer agora já está clara: é um governo anti-nacional. A nação só é uma coisa concreta na medida em que se materializa de alguma forma. No caso do Brasil ela é precariamente mantida pelos direitos sociais universais de saúde e educação. De agora em diante está estabelecido na lei que a Nação brasileira é cada vez menos real e cada vez mais imaginária.

JUCÁ e a POLÍTICA BRASILEIRA
As gravações de conversas entre o ministro Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, revelam coisas além da intenção de "estancar" a Operação Lava-jato. Romero Jucá expõe sua análise da classe política brasileira em relação à Operação Lava-jato. Jucá diz que se a Lava-jato seguir seu curso "nenhum político desse tradicional ganha eleição". Jucá parece se referir especialmente à eleição para presidente da República, já que neste trecho citado a conversa girava em torno de Aécio Neves, que Sérgio Machado avalia que não terá mais carreira política se a Lava-jato o investigar. Em relação a isso Machado diz: "O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB...", ao que Jucá responde: "É, a gente viveu tudo."
O repúdio à operação Lava-jato, segundo Jucá, seria unânime entre alguns líderes do PSDB, entre eles Aécio, Serra, Aloysio N. Ferreira e Tasso Jereissati. A conversa citada mostra, inclusive, como ministros do STF são interlocutores dos políticos em sua busca por "estancar" a Operação Lava-jato.

EDUARDO CUNHA e o GOVERNO
O governo Temer já nomeou dois aliados de Eduardo Cunha para funções no Governo, sendo a mais importante delas a de líder do governo na Câmara. Além disso o "novo ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB-SP), concedeu passaporte diplomático com validade de três anos ao pastor Samuel Cassio Ferreira, da Assembleia de Deus, ligado ao presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ." (G1). Samuel era diretor do templo da Assembleia de Deus de Campinas (SP) que, segundo a Procuradoria Geral da República, teria recebido depósitos que somam R$ 250 mil supostamente oriundos de propina paga a Eduardo Cunha.
Eduardo Cunha foi um agente estratégico para a abertura do processo de impeachment de Dilma Roussef. Temer não teria assumido a presidência do Brasil se não fosse pela ação de Cunha. Além desta dívida política, não é improvável que Cunha detenha informações suficientes para inviabilizar o governo Temer, no caso de decidir, por exemplo, fazer uma delação premiada para os procuradores da Operação Lava-jato. Não é preciso ter uma grande malícia política para entender que o atendimento à demandas de Cunha é algo fundamental para garantir o silêncio deste e, com isso, a continuidade do governo Temer. As massas pró-impeachment de Dilma continuarão passivas diante da quase explícita presença de Cunha no Governo?

ULISSES e o MINISTRO da SAÚDE
O ministro da saúde, Ricardo Barros (PP-PR) "disse que, quanto mais gente puder ter planos de saúde, maior será o alívio do governo para sustentar o SUS. Em seguida, questionado se não deveria ser o contrário, com um estímulo para um SUS melhor, ele respondeu: "Infelizmente, a capacidade financeira do governo para suprir todas essas garantias que tem o cidadão não são suficientes. Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita garantir esses direitos por conta do Estado".
O que as declarações do ministro da saúde tem a ver com um Estado de direitos? Repare que esta palavra está no pural. É aquele Estado que garante direitos básicos à população. O direito à saúde é um direito básico? A Constituição de 1988 diz que sim. O primeiro passo para construir um Estado de direitos é a afirmação dos direitos na letra da lei. Ao fazer isso o legislador coloca o Estado de fato em dívida com o Estado de direitos e abre a possibilidade de cobrança permanente dessa dívida pela população. O primeiro passo para acabar com o Estado de direitos é afirmando a impossibilidade daquela dívida ser paga. O Segundo passo é a abolição dos direitos na letra da lei e assim a lógica do Estado de fato suprassume a lógica do Estado de direitos. Diante desta fala do ministro da saúde, Ulisses Guimarães pode ser considerado um revolucionário.

NOVA DIREITA versus BOLIVARIANISMO
O governo Temer estabeleceu que a construção de uma semblância democrática de si passa pelo aparelhamento da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), que nos anos de Lula e Dilma tornou-se um aparelho eletrônico da cultura política bolivariana. A destituição do presidente da EBC por Temer e a forte reação dos blogs bolivarianos contra isso, mostra que trata-se de uma acirrada disputa molecular com vistas ao convencimento das massas intelectuais de que o governo Temer não é um governo anti-nacional da Nova Direita.
A construção de um autêntico órgão PÚBLICO de comunicação, infelizmente, passa ao largo dessa disputa oligárquica entre a Nova Direita e a decadência bolivariana.

GOVERNO TEMER
A crise do governo Dilma abriu uma fenda de indefinições políticas no sistema de dominação, que fez com que se ventilassem vários desfechos para a situação. Alguns desfechos propostos eram delirantes (golpe militar anti-governo ou pró-governo etc), outros, oportunistas e ilegítimos (parlamentarismo etc), mas um deles considero de legitimidade e eficácia inquestionáveis: a convocação de eleições presidenciais para 2016, através de emenda constitucional, pois baseia-se no princípio da soberania popular, o mais fundamental de nossa ordem político-jurídica.
Aberto o processo de impeachment pelo Senado e empossado o vice como presidente interino, já há claros sinais de que aquela fenda esteja se fechando. Isto pode ser apenas temporário, mas o principal objetivo do novo comando presidencial é fazer com que a fenda de possibilidades continue a se fechar até que o sistema de dominação se estabilize novamente. O que quer dizer que o principal objetivo do governo é a eliminação total da hipótese de eleição para presidente ainda este ano. A remoção de Temer da cadeira presidencial parece ser cada vez mais remota na medida em que ele consiga liderar a reaglutinação de forças políticas e sociais que se formou em torno do impeachment.
O governo Temer liderará forças políticas e sociais no sentido da formação de uma Nova Direita Latino-americana, como demonstrou o cientista político José Paulo Bandeira em texto publicado recentementehttps://www.facebook.com/groups/1544906145806373/permalink/1548859495411038/. Nesse texto o autor pontua que o trabalho de trans-subjetivação da massas em relação ao governo Temer passará pela construção de “uma hegemonia que fosse cinicamente semblância e uma dominação (narrativa-força) obscenamente estratégica girando em torno da mentira deslavada, da manipulação, do manietar, da sugestão psicótica, da simulação e da dissimulação para fazer a gestão das massas cidadãs, retirando seus direitos constitucionais.”
A foto de capa deste grupo é a imagem da Constituição de 1988 porque concordo com a citação acima. O governo Temer já está sugestionando a população no sentido de fazê-la aceitar que a eliminação dos direitos sociais de 1988 como a saída inevitável para a crise econômica, pois transferência do dinheiro público para as atividades econômicas do setor privado é o único horizonte de retomada do crescimento econômico que o governo Temer sinaliza. Isso não é somente uma visão econômica de direita no sentido de que significará maior concentração de renda, também é uma ação anti-nacional pois destruirá o principal laço de ligação entre as massas populares e o Estado nacional.
Uma das características fundamentais do governo Temer é, portanto, o seu caráter anti-nacional. Não no sentido dos nacionalistas defensores do capitalismo autárquico que nos levou à ruína econômica e à desconexão cada vez maior da economia nacional em relação ao estágio digital do capitalismo mundial. O governo Temer é anti-nacional no sentido do da dissolução do laço econômico-social estatal que mantém o povo brasileiro amalgamado materialmente, mas isto é tema para ser detalhado num próximo texto.

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